top of page
1913 - Butantan3.jpg

100 ANOS DOS POSTOS ANTI-OPHIDICOS

Livro Butantan

“(...) Já no relatório das atividades do Instituto Butantan em 1901 exprime-se com essas palavras: “Seria muito para desejar que o soro encontrasse aceitação pronta e geral, concorrendo para diminuir ou suprimir o número de óbitos por mordeduras de cobras que ainda se encontram em nossas estatísticas”. Esse interesse sempre o norteou e, encontrou ainda, as fórmulas para aplicá-lo praticamente. No meio médico e científico do Brasil faz continuamente palestras e conferências que estendia também aos meios leigos que estivessem ou pudessem estar próximos aos meios rurais.

Em virtude da repercussão de seus trabalhos no 5º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, realizado no Rio de Janeiro em junho de 1903, o Congresso Nacional custeou uma viagem para o Dr. Vital Brazil divulgar na Europa os seus estudos sobre o envenenamento ofídico, submetendo à apreciação dos competentes os séruns preparados no Instituto de Butantan. Nessa viagem feita durante o ano de 1904, trava relações pessoais com os cientistas interessados em venenos e imunologia e, a partir dessa época mantém contatos permanentes no estrangeiro que muito auxiliaram o progresso dos trabalhos e sua divulgação. Mantém uma promoção ativa e continuada em todos os ambientes, o que resulta numa extensão rápida da soroterapia antiofídica no Brasil e em países vizinhos. Vital Brazil mostra dotes excepcionais como divulgador, criando e mantendo uma campanha antiofídica permanente. Cria também para isso um sistema de remessas de serpentes que em 1903 consegue fornecer ao Butantan 159 ofídios de vários lugares de São Paulo e em 1911 já atinge o volume de 3.322 cobras. Cria o serviço de permuta fornecendo em troca soros antiofídicos e também seringas, que naquela época não eram de uso generalizado nos meios rurais. Desde 1904 solicita do Governo do Estado providências para que seja concedido transporte gratuito para as serpentes enviadas ao Instituto Butantan. Insiste sempre nesse serviço de permuta pois necessita das serpentes a fim de obter venenos para os trabalhos experimentais, a imunização dos cavalos que produzem os soros antiofídicos e ainda vão constituir material para os trabalhos de classificação e achados de novas espécies de serpentes, em que estão empenhados novos assistentes, como João Florêncio Gomes. (...)

Estes trabalhos de divulgação em todos os setores e as maneiras práticas que nele emprega fazem com que Vital Brazil consiga criar um movimento que ainda não tinha e ainda não tem paralelo em todo o mundo na campanha da luta contra os animais peçonhentos. O Instituto Butantan, ao lado de suas inúmeras atividades de pesquisa científica, nos mais diversos campos da Medicina Experimental e na produção de produtos biológicos para a Saúde Pública, sempre manteve o que foi criado por Vital Brazil (...)

Pela leitura de seus trabalhos verifica-se que opiniões, conceitos e afirmações que neles se encontram são sempre fruto de numerosas experiências de laboratório, muitas vezes apenas referidas, daí pensarem muitos que Vital Brazil só deve o seu prestígio às suas atividades como fundador do Instituto Butantan e descobridor da especificidade dos soros antivenenos.

Pelo pequeno sumário de uma parte dos trabalhos de Vital Brazil pode-se fazer uma apreciação de seu valor científico e de sua atividade incansável, pois em todos os assuntos sobre veneno e envenenamentos por animais peçonhentos estudou e experimentou, criando um grande cabedal de conhecimentos que compreendeu, organizou e difundiu.”  Gastão Rosenfeld* - Vital Brazil como pesquisador científico, 23.04.1965

​A primeira referência aos postos antiofídicos e seus objetivos data de 18 de agosto de 1909, em uma resposta de Vital Brazil endereçada a Sociedade de Medicina da Bahia, ao Dr. Oscar Freire:

Manchete Já não ha que temer o veneno das cobras
Campanha anti-ophidica através os sertões brasileiros

“Acusando o recebimento de sua prezada carta do 14 do mês de junho do corrente ano, na qual me comunicais haver a Sociedade de Medicina da Bahia, por deliberação unânime da assembléia, dos sócios em reunião de 16/12 do ano findo, oferecido o seu primeiro concurso para a propaganda dos seruns antipeçonhentos preparados no Instituto Butantan, cumpre-me agradecer-vos tal comunicação e de pedir-vos que sejais o interpretados meus sentimentos de gratidão, perante aquela associação pelo generoso e humanitário oferecimento, que de bom grado aceito, conformando-me com o plano que por ventura tenha traçado a sociedade. Outros resultados colhidos como meio de propaganda no Estado de São Paulo, nos levou a submeter ao critério dessa sociedade o seguinte plano:

1. realização de conferências públicas, de demonstração experimental do valor antitóxico dos seruns;

2. distribuição de publicações vulgarizadoras do método científico de tratamento do ofidismo;

3. permuta de tubos de serum e de seringas próprias para injeção por cobras remetidas do interior do Estado pelos agricultores.

Esta última medida é sem dúvida a mais prática e proveitosa, pois coloca o serum ao alcance dos que dele precisam, obtendo ao mesmo tempo o material indispensável para o seu preparo. Para sua realização no Estado da Bahia, seria indispensável um posto na capital incumbido dessa permuta e a cargo de um profissional habilitado. Neste posto far-se-ia a extração da peçonha que depois de seca seria enviada ao Instituto Butantan, o qual entregaria o serum equivalente ao veneno recebido. O médico vinculado a esse serviço deveria se dedicar exclusivamente a esse serviço seria remunerado pelo serviço estadual, que deverá ocorrer com outras pequenas despesas com manutenção do posto. Si for viável este plano estarei pronto a dar um orçamento com as despesas possíveis com a instalação e manutenção do posto. Para dar começo a propaganda vai enviar uma pequena partida de serum antiofídico a essa sociedade e brevemente enviarei publicações do Instituto. Aguardando o plano de ação dessa douta sociedade ponho-me a sua disposição para fim humanitário que teve em vista. Queira aceitar os protestos de minha elevada estima e consideração. Seu colega e admirador (...) Vital Brazil.”

Em 1911, no seu livro a Defesa contra o Ophidismo, Vital Brazil se refere a importância de se estabelecer os postos antiofídicos por todas as regiões do Brasil. Alguns anos depois, em 28 de outubro de 1917, começa as tratativas com a então filial do Instituto Oswaldo Cruz em Belo Horizonte, MG, atual Funed - Fundação Ezequiel Dias, para a abertura do primeiro posto antiofídico, cuja inauguração ocorreu após alguns meses, em 1918.

Um ano após a fundação do Instituto Vital Brazil em Niterói, RJ, em 30 de junho de 1920, há 100 anos, Vital Brazil assina um acordo com o Governo Federal que permitiu a divulgação e expansão significativa desta rede colaborativa e vários outros postos antiofídicos foram criados em todas as regiões do país, especialmente, em cidades do interior. Estes polos de informação, coleta de animais e de venenos, assim como de tratamento soroterápico foram grandes exemplos da prática da hoje chamada ciência cidadã.

Contrato Postos Anti-Ophidicos
Intercambio de Serpentes - Os futuros Postos Ophidicos

TERMOS DE CONTRACTOS

Ministério da Justiça e Negócios Interiores

Directoria de Contabilidade

 

Termo de contracto celebrado entre o Ministerio da Justiça e Negocios Interiores e o Instituto Vital Brasil para instalação e manutenção, no segundo semestre de mil novecentos e vinte, de tres postos anti-ophidicos.

Aos 30 dias do mez de junho de mil novecentos e vinte, nesta secretaria de Estado da Justiça e Negocios Interiores, perante o director geral da Contabilidade da mesma secretaria, compareceu o doutor Vital Brasil, como representante legal do Instituto Vital Brasil, estabelecido em Nitheroy, à rua Gavião Peixoto tresentos e sessenta, o declarou que assina o presente contracto com as testemunhas abaixo indicadas, obrigando-se a installar e manter, durante o segundo semestre de mil novecentos e vinte, tres postos anti-ophidicos sob as seguintes condições:

Primeira – Pagar o sello devido, segundo a lei em vigor.

Segunda – Installar e manter em boa ordem de funcionamento um posto anti-ophidico em cada um dos Estados da Parahyba, Matto Grosso e Goyaz.

Terceira – Localizar esses postos em pontos servidos por estrada de ferro, onde maior conveniencia houve para os serviços que se destinam.

Quarta – Fornecer aos agricultores das regiões por ellas servidas os sôros específicos applicaveis no tratamento dos acidentes ophidicos, mediante permuta por serpentes que os mesmos consigam capturar por occasião dos trabalhos agrícolas.

Quinta – Attender às requisições dos referidos sôros especificos feitas pelos chefes de serviços federaes, dentro de um limite razoavel, com recurso para o Ministerio da Justiça e Negocios Interiores em casa de pedidos abusivos mediante indemonização pelo Governo Federal.

Sexta – Colher, separadamente, das diferentes especies peçonhentas, o respectivo veneno, que, depois de convenientemente preparado, será enviado ao instituto em permuta de sôros especificos fornecidos aos postos.

Setima – Vulgarizar todos os conhecimentos necessarios para a acceitação geral do tratamento especifico e da prophylaxia do ophidismo.

Oitava – Tratar gratuitamente os accidentes ophidicos que occorrerem na séde dos postos e dos pontos circunvizinhos.

Nona – Organizar a estática dos accidentes ocorridos nas regiões servidas pelos postos.

Decima – Determinar a frequencia das especies venenosas e não venenosas.

Decima primeira – Enviar no fim do semestre ao Ministerio da Justiça e Negocios Interiores um resumo do trabalho realisado em cada posto com os necessarios elementos informativos, estatisticos e scientificos e um relatorio em que serão propostas as modificações que interessem ao serviço o que possam vir a fazer parte do novo contracto.

Decima segunda – Attender aos pedidos de informações sobre o assumpto fizer o Departamento Nacional de Saúde Publica, que fica incumbido da fiscalisação deste contracto.

Decina terceira – Ter, por conta do Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, quando as emprezas e companhias não concederem gratuidade, transporte e armazenagem das serpentes que forem enviadas para cada um dos postos de que trata este contracto ou daquelles Estados para o instituto ou de cada um daquelles postos forem remettidos para os agricultores dos tres Estados citados.

Decima quarta – Ter, por conta do mesmo ministerio, passagens, quer nas estradas de ferro, quer por via maritima, para o pessoal empregado no serviço da defesa contra o ophidismo naquelles Estados.

Decima quinta – Ter, por conta do mesmo ministerio, franquia telegraphica e postal para a correspondencia empregada na manutenção do serviço dos tres postos.

Decima sexta – Considerar como productos federais, a exemplo de medicamentos officiaes, para os efeitos da isenção do imposto de consumo, os soros anti-peçonhentos empregados no serviço dos postos citados.

Decima sétima – Receber, como subvenção, do Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, para o custeio dos referidos tres postos, a importancia de trinta contos de réis (30:000$), sendo quinze contos de réis (15:000$) de uma só vez, depois de registrado o presente contracto pelo Tribunal de Contas, e três contos de réis (3:000$) mensalmente, a partir do mez de agosto, correndo a despeza pela consignação «Para o custeio de postos anti-ophidicos em Goyaz, Matto Grosso  e Parahyba, à razão de doze contos de réis (12:000$) para cada um», da verba numero trinta e oito do artigo segundo da lei orçamentaria de mil novecentos e vinte, da qual é desde já feito o necessario empenho da mesma despesa, que é deduzida do respectivo credito de trinta e seis contos de réis (36:000$), onde tambem é igualmente empenhada e deduzida a quantidade de seis contos de réis (6:000$) reservada especialmente para o custeio dos dispendios que decorrem das condições decima terceira, decima quarta e decima quinta.

Decima oitava – Continuar, si for votado o necessario credito pelo Congesso Nacional para mil novecentos e vinte e um, a executar o serviço mediante a subvenção mensal de 1:000$, para cada posto e a inclusão de modificações que se tornatem precisas no novo contracto.

Decima nona – Recisão do contracto, quando se derem repetidas faltas comunicadas ao senhor ministro, dem direito a qualquer indemnização.

E, por estarem assim accordes, lavrou-se estre termo de contracto independentemente de concorrencia publica, não só á vista do disposto no artigo cento e setenta da lei numero tres mil quatrocentos e cincoenta e quatro (3.454) e de seis de janeiro de mil novecentos e dezoito, revigorado pelo artigo quarenta e dous da lei numero tres mil novecentos e setenta e nove (3.979), de trinta e um de dezembro de mil novecentos e dezenove, como tambem pela natureza especialissima do serviço, que não comportava tal providencia.

Este contracto vae assignado pelo director geral de Contabilidade, pelo Dr. Vital Brasil e pelas testemunhas Francisco Bezerra de Menezes e Annibal Leonel de Rezende. Estavam colladas e devidamente inutilizadas duas estampilhas federaes representando o valor de sessenta mil réis. – Rodrigues Barbosa. – Dr. Vital Brasil. – Francisco Bezerra de Menezes. – Annibal Leonel de Rezende.

*Gastão Rosenfeld (1912 - 1990), médico e bioquímico, foi um dos descobridores da bradicinina, co-fundador da SBPC – Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência, pesquisador do Instituto Butantan e diretor do Hospital Vital Brazil.

Livro Butantan
bottom of page