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Serpentário em Belo Horizonte MG

CAMPANHA ANTIOFÍDICA EM MINAS GERAIS

Octávio de Magalhães

 

            O trabalho compreenderá:

1º. – Histórico

2º. – Como trabalhamos

3º. – Estatística, contendo dados sobre cobras recebidas:

            - espécies venenosas

            - espécies não venenosas

4º. – Observações clínicas de acidentes, sensibilização pelo veneno e soroterapia

5º. – Conclusões

CAPÍTULO I

HISTÓRICO

 

Há meio século, (27 de junho de 1907), fundava-se em Belo Horizonte o Laboratório de Microbiologia, que tão grande influência teria em Minas Gerais: a filial do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro.

Êste Instituto tomou o nome de Ezequiel Dias, em homenagem ao seu fundador, transformando-se, mais tarde, no Instituto Biológico Ezequiel Dias.

Escolhemos, de fato, êste mês, para a realização do presente trabalho, efetuado, em grande parte, dentro das paredes daquela modesta Instituição e que servirá de documentação, ainda uma vez, para a história da pesquisa em Minas Gerais. Êle deveria ser planejado e feito em colaboração com o Dr. EVANDRO DE BARROS, que era assistente do Instituto Biológico Ezequiel Dias, quando da sua volta do Curso de Especialização que fôra fazer na Europa. O destino, porém, não quis que assim se fizesse. Na Alemanha, onde fôra completar os seus estudos sôbre Anatomia Patológica, êle morreu, após intensivo curso na “Charité” de Berlim, como assistente efetivo do Prof. RÖSSLE.

Fôra êle incumbido, após o afastamento dos Profs. EURICO VILLELA e OSWALDO DE MELO CAMPOS, da supervisão da seção antiofídica, com JOÃO BAETA DA COSTA, no Instituto Biológico Ezequiel Dias. Muitos pormenores nos poderiam, talvez, ser fornecidos para o presente trabalho.

É bem verdade, todavia, que nos últimos anos, por uma questão de alergia pelos venenos, êle se afastara com JOÃO BAETA DA COSTA, da respectiva seção, por algum tempo. Felizmente, pelos meus Relatórios enviados ao Govêrno de Minas e ao Diretor do Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, consegui reaver numerosos dados de algum interêsse e que constituem a base da presente contribuição.

 

O histórico da organização do Pôsto Antiofídico em Minas Gerais está descrito na página 196, dos meus “Ensaios”.

Em 9 de julho de 1917, já organizada a filial do Instituto Oswaldo Cruz em Belo Horizonte, o ilustre escritor mineiro, Dr. GUSTAVO PENA, fazia, à Sociedade Mineira de Agricultura, a seguinte proposta: “Indico que a Sociedade Mineira de Agricultura represente ao Poder Legislativo do Estado, sôbre a necessidade de ser criado, nesta Capital, um Pôsto de Socorro antiofídico, nos moldes aconselhados pelo Instituto Butantan de São Paulo, podendo se encarregar da sua instalação, o Instituto Oswaldo Cruz, de Belo Horizonte.”

O trabalho de propaganda do Dr. GUSTAVO PENA foi utilíssimo e eficiente. Ezequiel Dias, então Diretor da Filial do Instituto Oswaldo Cruz, entendeu-se com o Govêrno de Minas e VITAL BRAZIL, Diretor do Instituto Butantan.

Em 27 de outubro de 1917, recebeu EZEQUIEL DIAS um orçamento pormenorizado para a fundação do Pôsto Antiofídico em Belo Horizonte. Em 1 de fevereiro de 1918, foi assinado um contrato entre o Govêrno do Estado e o Instituto Oswaldo Cruz, Filial, para o funcionamento dêsse Pôsto.

Escrevi nos “Ensaios” os pormenores dêsse contrato e o orçamento para o seu funcionamento (páginas 197/202, ob. cit.). Naquele livro transcrevi, também, a correspondência entre EZEQUIEL DIAS, VITAL BRAZIL e o Ministro da Viação, para a execução da obra.

Fazia parte, naquela época, da filial o sábio Professor EURICO VILLELA, a quem foi entregue o serviço do Pôsto, tendo-se construído um serpentário, modêlo de Butantan.

Pelo contrato com VITAL BRAZIL, colher-se-iam os venenos, separadamente para cada espécie de cobra venenosa, de acôrdo com o método de VITAL BRAZIL. Dessecavam-se os venenos e remetíamos os mesmos em tubos fechados a lâmpada, pelo Correio, ao Instituto Butantan e depois ao VITAL BRAZIL, em Niterói, recebendo, em tróca, o seguinte: 1 empôla de sôro contra o Crotalus terrificus terrificus por 300 miligramas de veneno; 1 empôla de sôro antibotrópico por 500 miligramas de veneno; 1 empôla de sôro contra o Micrurus por 30 miligramas de veneno.

O serpentário de então foi construído pelo modêlo de Butantan e custou, na época, cêrca de Cr$ 5.000,00 (cinco mil Cruzeiros)! (Vide fotografia na página 18 de Ensaios).

Para o funcionamento do Pôsto Antiofídico, deveríamos gastar Cr$ 37.340,00. No livro – Ensaios – transcrevo aquêle contrato, que trazia as assinaturas dos professôres ARTHUR DA COSTA GUIMARÃES, EZEQUIEL CAETANO DIAS e as testemunhas FRANCISCO NARBONA e JOSÉ AMÉRICO MACHADO.

Em nosso Relatório ao secretário da Agricultura de Minas Gerais, em 1922, dissemos:

“Fundado há 5 anos, o Pôsto Antiofídico de Minas, anexo a êste Instituto (Oswaldo Cruz, Filial), vem gradativamente se avolumando até os nossos dias, podendo-se dizer que constitui, hoje, elemento valioso para a profilaxia do ofidismo em Minas.”

Mais adiante afirmamos o seguinte:

“Ao assumir a Diretoria do Instituto, cuidamos, desde logo, de melhorar as condições do contrato que esta Casa mantinha com o ilustre mineiro VITAL BRAZIL.”

Devíamos, em média, todos os anos, cêrca de 50,63% aos nossos fazendeiros, fornecedores de matéria-prima (cobras venenosas) e quase outro tanto ao Instituto Vital Brazil. Foi incumbido o então Assistente do Instituto, hoje Professor OSWALDO DE MELO CAMPOS, a quem o Instituto Ezequiel Dias deve trabalhos valiosos, de se entender sôbre a matéria com o Dr. VITAL BRAZIL. Êste, nobremente, aquiesceu em baixar para 60 miligramas de qualquer veneno, a tróca por um tubo de sôro. Iríamos, então, pagar as dívidas que nos assoberbavam. Resolvemos, para incentivar os fornecedores, enviar, quando possível, como prêmio, uma seringa para injeção do sôro e essa medida deu os melhores resultados, de acôrdo com numerosas cartas que, em resposta, recebemos.

Lembramos, também, naquele ano, a possibilidade de a Secretaria de Agricultura do Estado de Minas distribuir boletins impressos aos senhores agricultores. Com esta base, vamos mostrar como trabalhávamos.

Soro contra veneno de cobra

CAPÍTULO II

COMO TRABALHAMOS

 

As normas de trabalho, desde o início, foram estabelecidas e orientadas por VITAL BRAZIL e pelos professores EZEQUIEL DIAS, EURICO VILLELA e OSWALDO DE MELO CAMPOS e nos primeiros anos de funcionamento do Pôsto.

Havia um grande livro, onde se escrevia o nome do fornecedor, município a que pertencesse, o enderêço certo, com as colunas respectivas para cobras venenosas adultas, filhotes e cobras não venenosas, quantidade de sôro remetida, de modo que tínhamos uma espécie de contra-corrente com os nossos fornecedores dos diversos Municípios do Estado. Por uma simples inspeção, sabia-se quanto nós devíamos de sôro e quanto os fazendeiros precisavam mandar em cobras.

Depois de alguns anos de trabalho, mandei que se organizassem boletins impressos, contendo, não só o movimento de cobras venenosas ou não venenosas, adultas ou filhotes, mortas e vivas, como tôda a distribuição de caixas, laços, requisições, etc.

Êsses boletins davam, no fim do ano, a impressão de todo o movimento do Pôsto (vide anexos).

Remetíamos aos fazendeiros, caixas (vide desenho junto) com laços, aos quais só era necessário colocar um cabo alongado de madeira e, conjuntamente, um folheto de propaganda e rótulos com o enderêço do Instituto.

No laboratório, empregávamos, além do laço de Lutz, um gancho para apanhar os ofídios.

Aos fornecedores de maior porte, enviávamos ainda um livro de VITAL BRAZIL sôbre o ofidismo, além da seringa já referida, como recompensa aos seus esforços em bem servir à comunidade.

As caixas para transporte dos ofídios tinham despacho grátis nas Estradas de Ferro do Estado e da União, dentro de Minas, e eram recolhidas, diáriamente, nas estações de Belo Horizonte, pelos encarregados de transportes.

Em 1922, já dizia o meu ilustre antecessor: “O desenvolvimento máximo dos nossos trabalhos ficará, em grande parte, dependendo de novas facilidades de transportes, já pelo avançamento de boas vias de penetração, como a Estrada de Ferro Paracatú, ramal de Montes Claros, o prolongamento de Pirapóra a Belém do Pará, etc., já pelo estabelecimento de tráfego mútuo entre as administrações diferentes, como Central do Brasil, Curralinho a Diamantina, Leopoldina e Vitória-Minas, Central e as Companhias de Navegação do São Francisco.”

Naquele ano eu apelava para o Secretário da Agricultura de Minas, para que se desse um cunho prático a êsse apêlo do Prof. EZEQUIEL DIAS, que sinceramente renovávamos. Dêsse modo, talvez fôsse possível ampliar as nossas relações, dos 109 atuais, para os 178 municípios mineiros. Êsses trabalhos foram reforçados, em 1923, pelo Tése no. 3, do Congresso das Municipalidades, o qual aprovou, entre outras, as seguintes medidas: “As municipalidades deverão auxiliar os Institutos Antiofídicos, distribuindo as armadilhas, caixas de transportes e instruções deles expedidas, remetendo-lhes a cobra venenosa capturada.”

Foi, devido a esta medida tão patriótica, que tomamos a liberdade de enviar, aos senhores presidentes das Câmaras Municipais, a circular cuja cópia junto publicamos. Infelizmente, dos 178 municípios em que se dividia, naquela época, o Estado, 10 apenas responderam ao nosso apêlo: Montes Claros, Mar de Espanha, Monte Santo, São Sebastião do Paraíso, Rio Casca, Palmira, Pirapóra, Campos Gerais, São João Del Rei e Vila Rezende Costa.

Naquela época, apenas 6 câmaras municipais nos enviaram cobras: Oliveira, Itajubá, Contagem, Itauna, Araxá, Santa Rita do Sapucaí. Isto, é claro, não nos trouxe desânimo, mas demonstrou, claramente, qual foi a nossa luta pelo caminho que tivemos de percorrer.

As caixas que chegavam eram esvaziadas, transportando-se para os serpentários os ofídios, tendo, antes, o cuidado de retirar o veneno. Fazíamos esta extração em todos os ofídios recolhidos ao serpentário, de 15 em 15 dias. As caixas eram limpas, retocadas quando necessário e redespachadas, imediatamente, para os fazendeiros, quando possível, 48 horas depois.

No comêço dos trabalhos do Pôsto, surgiram, naturalmente, várias dúvidas sôbre as espécies de ofídios encontrados, consultando nós, nestes casos, os professôres VITAL BRAZIL e ADOLPHO LUTZ. Mais tarde, tudo era feito no próprio Instituto Filial de Manguinhos, pelos técnicos da seção.

Os boletins a que nos referimos páginas atrás, eram, a princípio, escritos à máquina. Depois é que foram impressos, quando a verba foi suficiente para isto.

Serpentário em Belo Horizonte MG

CAPÍTULO III

Estatística, contendo dados sôbre cobras recebidas

 

Vamos fornecer alguns dados estatísticos expressivos, dos resultados dos nossos trabalhos. É claro que foram programadas e feitas excursões científicas, neste ano, ao interior do Estado, qual novas “bandeiras” científicas que o Mestre já havia estabelecido em Manguinhos.

Recebemos, em 1922, 1.316 ofídios venenosos, assim distribuídos:

Recebemos, também, 429 cobras não venenosas, num total de 1.745. Um estudo comparativo com os anos anteriores mostra o seguinte:

Havia um Pôsto em Juiz de Fóra, o qual nos desviava muitas “Bothrops”. Mesmo assim, a percentagem dos ofídios venenosos recebidos em 1922 foi de 75%, expressando que a campanha antiofídica continuava a preencher os seus fins.

SERVIÇO ANTIOPHIDICO DO ESTADO DE MINAS

INSTITUTO EZEQUIEL DIAS

CAIXA POSTAL, 26B                                                                       BELLO HORIZONTE

 

Ilmo. Sr.

            Saudações.

Tendo sido instalado neste Instituto um Pôsto antiophidico, estaremos promptos a mandar-lhe laço e caixas proprios para a captura e transporte de cobras, desde que V. S. se digne enviar o pedido com as indicações precisas e de seu enderêço.

Receberemos com muito prazer qualquer espécie e número de cobras que V. S. queira encaminhar para este Instituto, e enviar-lhe-emos, em troca de cada cobra venenosa, viva, que V. S. nos mandar, 1 tubo do sôro preparado pelo Dr. VITAL BRAZIL, contra o veneno ophidico.

As caixas com cobras destinadas ao Instituto gosam de despacho livre e gratuito nas estradas de ferro e companhias de navegação, quer federaes, quer particulares, por autorização do Ministério da Viação e Obras Públicas e de seus respectivos directores.

Dentro das caixas seguem rótulos com o endereço desta repartição, bastando V. S. acrescentar nêles o nome e a residência de V. S., assim como o número de cobras que contém a caixa.

Agradecendo de antemão o interêsse que V. S. tomar pelo nosso pedido, aproveitamos o ensejo para nos subscrevermos com estima e consideração.

De V. S. Am.o Att.o e Ob.o

Director

OCTÁVIO DE MAGALHÃES

INSTITUTO EZEQUIEL DIAS

(OSWALDO CRUZ, Filial)

BELLO HORIZONTE

Ilmo Sr. Presidente da Camara Municipal de

 

Saudações attenciosas.

Tomamos a liberdade de pedir a V. S. atenção para o que vamos expor.

O Congresso das Municipalidades Mineiras, tão patrioticamente convocado pelo actual Govêrno de Minas, resolveu, na these III, lembrar entre outras as seguintes medidas:

“As municipalidades deverão auxiliar os Institutos anti-ophidicos, distribuindo as armadilhas, caixas de transporte e instrucções delles expedidas, remettendo-lhes as cobras venenosas capturadas.”

O Instituto EZEQUIEL DIAS (Oswaldo Cruz, Filial) está nas condições do citado artigo, pois mantém um “Pôsto anti-ophidico” e mais do que nunca necessita do auxílio valioso das Municipalidades mineiras. Vimos, pois, lembrar a V. S. as seguintes medidas que podem desde já ser postas em prática em benefício da campanha anti-ophidica no Estado.

1) As municipalidades, pelos seus Dirigentes, fornecerão a este Instituto a lista dos Fazendeiros do Município, com as respectivas indicações de residência.

2) De accordo com o modelo fornecido pelo Instituto (de custeio inferior à..............), mandarão fazer ............. caixas e laços para a captura de ophidios, distribuindo-os pelos Fazendeiros, juntamente com os boletins e impressos fornecidos pelo Instituto.

3) Facilitarão, por todos os meios, o transporte de laços, caixas vasias ou com cobra, nas Estradas, Companhias de Automóveis, Fluviaes, etc., que cortem o Município.

4) Remetterão ao Instituto os ophidios capturados, e para os fazendeiros os laços, caixas e sôros quando para ahi remettidos.

O Instituto fornecerá um tubo de sôro anti-ophidico por cada cobra venenosa, adulta, chegada viva, e ministrará informações referentes ao assumpto.

As caixas destinadas a esta Filial gozam do direito de livre trânsito em tôdas as Estradas de Ferro que cortam o Estado.

OCTÁVIO DE MAGALHÃES

 

Copiado de Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Tomo 56, Fascículo 2, Dezembro de 1958, 291-297.
Fotos: Serviço de informação científica, histórica e cultural da Funed

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